VILÕES UNIDOS JULGAM-SE IMBATÍVEIS

Que o primeiro-ministro português, Luís Montenegro, goste de tratar os portugueses como matumbos é lá com ele, é lá com eles. Já vir a Angola passar-nos atestados de matumbez e, ao mesmo tempo, de bajulação a quem está no Poder há 49 anos (o MPLA) e a um Presidente não nominalmente eleito e esclavagista, ultrapassa a paciência do mais pacato e pobre angolano (temos 20 milhões de pobres).

Por Orlando Castro

Vir a Angola dizer disse que Portugal respeita os valores da democracia e direitos humanos “em qualquer sítio” e considerou que há convergência com Angola, país “amigo, aliado e parceiro” no que diz respeito à livre iniciativa das pessoas, é mesmo um atentado à nossa dignidade.

Luís Montenegro falava no final de uma visita de três dias a Angola, focada no reforço da cooperação bilateral em várias áreas e nos temas económicos e empresariais, no decurso da qual anunciou um reforço de 500 milhões de euros da actual linha de crédito e manifestou a vontade de ter mais investimento angolano em Portugal e investimento português em Angola.

O chefe do Governo português declarou que Angola “é um país amigo, é um país irmão” e é também parceiro, quer na política internacional, quer na política bilateral.

Antes da visita, a Amnistia Internacional apelou a que Luís Montenegro aproveitasse para dialogar com as autoridades angolanas (do MPLA há 49 anos) sobre as questões de direitos humanos, enquanto a UNITA aproveitou a presença do primeiro-ministro em solo angolano para pedir ajuda para reforçar o que de facto não existe, o Estado democrático.

Questionado sobre estes apelos, Luís Montenegro salientou que Portugal respeita “os valores da democracia” e dos direitos humanos em qualquer sítio, “e portanto também aqui”. É preciso ter lata. A questão não é saber se Portugal respeita “os valores da democracia”. A questão é Portugal não ter medo de assumir que em Angola o Governo não respeita os valores da democracia e dos direitos humanos.

Luís Montenegro defendeu “uma filosofia política que acredita nas pessoas, que acredita na livre capacidade e iniciativa das pessoas e das instituições”, objectivo no qual há convergência com Angola, salientando no entanto que as questões sobre o funcionamento dos órgãos e as instituições de cada país, dizem respeito a cada um.

“Cada um com a sua filosofia política, cada um com os seus métodos de intervenção política, nós temos respeito por tudo isso e temos uma comunhão de objectivos”, destacou, garantindo que o Governo português estará sempre “do lado da valorização da pessoa humana” e da dignidade da pessoa, em qualquer contexto.

“Portanto, tudo aquilo que puder ser a nossa acção e a nossa intervenção para favorecer essa dimensão humanista, nós faremos, naturalmente respeitando aquilo que é a dinâmica política de todos os países, e nomeadamente dos países amigos, aliados e parceiros, e é isso que também acontece aqui em Angola”, concluiu.

O balanço desta vinda a despacho do primeiro-ministro português é simples. Luís Montenegro ajoelhou-se e rezou junto do seu homólogo, João Lourenço, igualmente Presidente do MPLA e da República, sem esquecer que é também Comandante-em-Chefe das Forças Armadas.

O convite a Luís Montenegro para visitar Angola surgiu nas primeiras semanas do seu mandato e foi anunciado publicamente pelo Presidente general João Lourenço, após um encontro entre os dois na residência oficial do primeiro-ministro, em Lisboa, um dia depois de o chefe de Estado, de Governo e do MPLA ter participado nas comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, a convite do bajulador-mor do reino lusitano, Marcelo Rebelo de Sousa.

Nessa ocasião, João Lourenço considerou que as relações bilaterais “estão no seu melhor”, mas acrescentou: “Embora tenhamos a obrigação de não nos sentirmos nunca satisfeitos. Temos de ser ambiciosos a ponto de querer mais e mais”.

Já Luís Montenegro disse então que a intenção do Governo PSD/CDS-PP, que tomou posse em 2 de Abril, era “manter este percurso de relação próxima entre governos em muitas áreas, da cultura à educação, às relações económicas”, destacando que há já muitas empresas portuguesas a actuarem em áreas prioritárias, estratégicas em Angola, como o sector agro-alimentar, têxtil, farmacêutico, turístico, na construção, nas energias renováveis ou em áreas tecnológicas.

O primeiro-ministro afirmou ainda que o Governo português tem “todo o interesse” em consolidar posições não só a nível bilateral, “mas também multilateral”, no quadro da relação de Angola com a União Europeia, no quadro da CPLP, das Nações Unidas e do G20, já que ambos os países foram convidados pelo Brasil como membros observadores este ano.

Em Junho, o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, disse em Luanda que Portugal quer agilizar o processamento dos vistos, enviando 45 especialistas para postos consulares identificados como prioritários, e salientou que o número de vistos concedidos por Portugal a cidadãos angolanos aumentou 43%, passando de 42 mil para 57 mil, em 2023.

Recorde-se que o saldo da balança comercial entre Angola e Portugal melhorou 24% no ano passado, para 991 milhões de euros, o valor mais alto dos últimos seis anos, nos quais tem sido sempre favorável a Portugal.

De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) português, no ano passado Portugal exportou bens e serviços no valor de 1,2 mil milhões de euros, o que compara com os 270 milhões gastos na importação de produtos angolanos.

No ano anterior, em 2022, as exportações foram ligeiramente maiores (1,4 mil milhões de euros), mas as importações tinham sido significativamente maiores, mais de 624 milhões de euros, o que explica a subida de 24% no saldo comercial favorável a Portugal em 2023 face ao ano anterior.

Olhando para os últimos seis anos, o saldo da balança comercial entre os dois países tem sido sempre favorável a Portugal, sendo que o ano em que a balança foi mais equilibrada foi 2019, quando Portugal importou mais de mil milhões de euros de produtos angolanos, na sua esmagadora maioria petróleo, e exportou 1,2 mil milhões, o que fez com que o saldo fosse positivo em apenas 163 milhões de euros.

Desde então, as importações caíram significativamente, para 389 milhões em 2020, ainda mais em 2021, para 80,5 milhões de euros, e depois subiram, em 2022, para 624 milhões de euros, caindo novamente no ano passado, para 270 milhões.

Em sentido inverso, as exportações portuguesas conheceram o valor mais alto dos últimos cinco anos em 2018, com mais de 1,5 mil milhões de vendas a Angola, caindo depois para 1,2 mil milhões, em 2019, e depois para 870 milhões e 951 milhões de euros nos anos de 2020 e 2021, marcados pela pandemia de covid-19.

Nos dois anos seguintes, em 2022 e 2023, as exportações portuguesas para o segundo maior produtor de petróleo na África subsaariana aumentaram para 1,4 e 1,2 mil milhões de euros.

No que diz respeito aos produtos exportados por Portugal, as rubricas de “reactores nucleares, caldeiras, máquinas, aparelhos e instrumentos mecânicos”, juntamente com “máquinas, aparelhos e materiais eléctricos, e aparelhos de gravação e reprodução de imagem e som” são as categorias principais.

Entretanto, por falta tempo e de espaço na agenda, ficaram excluídos temas menores e irrelevante no que respeita aos valores da democracia e direitos humanos que Montenegro diz (mentindo) existirem em Angola:

– 68% da população angolana ser afectada pela pobreza, a taxa de mortalidade infantil ser das mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças, só 38% da população angolana ter acesso a água potável e somente 44% dispor de saneamento básico;

– Apenas um quarto da população angolana ter acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade, 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalações, da falta de pessoal, da falta de material e de carência de medicamentos;

– 45% das crianças angolanas sofrerem de má nutrição crónica, sendo que uma em cada quatro (25%) morre antes de atingir os cinco anos, a dependência sócio-económica a favores, privilégios e bens, ou seja, o cabritismo, ser o método utilizado pelo MPLA para amordaçar os angolanos;

– O acesso à boa educação, aos condomínios, ao capital accionista dos bancos e das seguradoras, aos grandes negócios, às licitações dos blocos petrolíferos, estar limitado a um grupo muito restrito de famílias ligadas ao regime no poder;

– Angola ser um dos países mais corruptos do mundo, que tem 20 milhões de pobres e ser governada há 49 anos pelo MPLA.

Portugal consegue assim e mais uma vez não o respeito mas a anuência do regime para as suas negociatas. Esquece-se, contudo, de algo que mais cedo ou mais tarde lhes vai sair caro: o regime não é eterno e os angolanos (e também os portugueses) têm memória.

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